quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sem traço e quase nada

Traço na cor, ou sem ela, um traço sem história, ou histórias, apenas, o traço do desenho meu. Vai e volta no espaço, que desocupo. São traços de coisas que giram, que dançam no meu olhar. A dança destes meus traços é leve, eleva-se na insignificância da poesia, no espaço aberto daquilo que a suporta. O olhar da linha que desenlaça a forma e que desalinha o meu ver, às vezes, Desenha aquilo que risco, ou traço, num gesto só, que desfaz fazendo a marca que deixo. É insignificante tudo isto. Não quero o bonito da coisa, Nem tão pouco, Que a coisa resulte bonita. É cruel esta coisa da Coisa bonita. Desassossega-me. A ideia de que faço coisas para o enclausuramento contemplativo, desassossega-me. Julgo-me ao colorir ou descobrir o espaço desse desassossego. Julgo-me no meu jeito ao riscar uma árvore, a minha árvore, ou, qualquer outra coisa, qualquer. Desconstruo o meu olhar na construção do meu ver que deixo no desenho. Não sei se desenho aquilo que vejo, não sei. Penso que o que vejo, às vezes, não quero desenhar, não me apetece, desenhar o que vem ao meu olhar. Vejo tudo o que faço e, nem sempre, vejo bem. A linguagem que assenta nesta minha coisa, é uma não linguagem. Os códigos não dizem, apenas aparecem e desaparecem no desenho riscado, sem a perturbação de ter que SER, senão sinal, no meu espaço pictórico, ou outro. O meu credo na construção da superfície com a cor que vem daqui e dali, submissa ao esfregar da minha vontade, para, preparar o momento, que me empolga, e se arroja, para sempre, no espaço aberto e disponível. Explico-me no trabalho, ou talvez não. Talvez não consiga essa mestria. não me ato a esse maneirismo. Dizer, dirá a coisa do meu trabalho. Falará, essencialmente, da verdade, minha, para ser a coisa, verdade, para que, de vida em vida, ela seja a minha verdade. Riscar no limite da coisa é, por ora, o meu jeito artístico. O meu olhar traduz-se, no quase nada; A forma transforma-se no elemento sinal da visão, ( que sinal seja. Importa que o seja. Tal qual. ). O espaço projecto da minha coisa que vai sendo o meu trabalho, organiza-se no propósito e na intenção primeira do eu, de mim, para que, no fim de cada coisa que faço, se abra a possibilidade de outra coisa a fazer. Quando o branco do suporte se disponibiliza, cresço para ele em intensidade e intencionalidade, para nele, Cor por cor, Mancha por mancha, me dispor ao risco de riscar O SINAL. É o sinal que vou deixando aqui. Deixo-me ficar, assim, no desenho, no traço de mim sem traço e quase nada. Dez 2005

traços do meu traço

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.E lastimava, ignorante, a falta.Hoje não a lastimo.Não há falta na ausência.A ausência é um estar em mim.E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,que rio e danço e invento exclamações alegres,porque a ausência, essa ausência assimilada,ninguém a rouba mais de mim. Carlos Drummond de Andrade